O paradoxo do navio de Teseu - O navio em que eles retornaram era o mesmo em que partiram?
O paradoxo do Navio de Teseu foi publicado pela primeira vez no trabalho
de Plutarco, um antigo filósofo grego seguidor de Platão. Ele descreveu como
Teseu (o rei fundador de Atenas) retornou de uma longa viagem pelo mar. Ao
longo de todo o percurso, todas as velhas e desgastadas placas de madeira que
formavam o navio foram sendo arrancadas e substituídas por placas de madeira
novas e fortes. As placas velhas de madeira eram jogadas ao mar. Quando Teseu
e sua tripulação finalmente retornaram da viagem, cada placa de madeira do
navio havia sido trocada e descartada. Isso leva às seguintes perguntas: O navio
em que eles retornaram era o mesmo em que partiram, apesar de agora as
placas de madeira serem completamente diferentes? E se o navio ainda tiver
uma placa de madeira original em sua estrutura? E se houver duas placas de
madeira original em sua estrutura? Isso mudaria a resposta de alguém?
Outro modo de olhar para isso:
Se o navio em que Teseu começou sua viagem for A e o navio em que Teseu
retornou for B, então, isso faz A = B?
O paradoxo foi discutido por outros antigos filósofos, como Heráclito, Sócrates,
Platão antes dos escritos de Plutarco, e mais recentemente por Thomas Hobbes,
John Locke e Gottfried Leibniz. Este problema é um modelo para os filósofos.
A CONTRIBUIÇÃO DE THOMAS HOBBES
Muito tempo depois, o famoso filósofo do século XVII, Thomas Hobbes, levou
esse paradoxo mais adiante.
Agora, imagine que seguindo o Navio de Teseu houvesse um ser reciclador.
Enquanto a tripulação descartava as placas de madeira no mar, ele as recolhia
da água para construir o próprio navio. Duas embarcações chegaram ao porto:
uma que trazia Teseu e sua tripulação e feita de placas novas de madeira; e a
outra, construída pelo reciclador com a madeira descartada no mar. Nesse
cenário, qual é o navio de Teseu?
Assim, vamos chamar o navio do reciclador de C.
Sabemos que B ≠ C porque dois navios atracaram no porto e, portanto, com
certeza não podem ser um e o mesmo.
Então, o que torna o navio de Teseu o navio de Teseu? As partes individuais
das quais o navio é feito? A sua estrutura? A história do navio?
A PARTIR DAQUI PARA ONDE VAMOS?
A Teoria da Identidade Mereológica (TIM) afirma que a identidade de algo
depende da identidade das partes que o compõem. Para isso, é preciso que exista
uma condição de identidade, ou seja, tem de haver a igualdade entre as partes.
Em outras palavras, X = Y se todas as partes de X também forem partes de
Y e vice-versa.
Por exemplo, o objeto X é formado por determinados componentes no início
de um período de tempo (t1). Se no final desse período de tempo (t2), o objeto
(que agora é Y) mantiver os mesmos componentes, então, ele continua a existir.
De acordo com a TIM, no paradoxo do Navio de Teseu, A = C. Isso significa
que existem dois navios. O navio em que Teseu começou a viagem (A) é
exatamente o mesmo que trouxe o reciclador ao porto (C) e, então, há o navio
que trouxe Teseu de volta (B), que é composto de novas partes.
No entanto, há um problema nessa conclusão. Nesse cenário, Teseu deveria
ter trocado de navio durante a jornada, porque ele chegou ao porto em B (que
não é igual a C). Contudo, Teseu nunca deixou o navio. Ele partiu em A, voltou
em B e nunca esteve a bordo de dois navios (o que a TIM afirma que deve
ocorrer).
Existem outras possíveis formas para solucionar esse problema. Vamos
abandonar a teoria TIM completamente e, em vez disso, afirmar que A = B.
Assim, ainda existem apenas dois navios: aquele em que Teseu iniciou sua
jornada (A) e aquele em que retornou ao porto (B) são considerados um só, e o
navio do reciclador é o segundo.
Essa proposição também apresenta problemas. Dizer que A = B também
implica que B ≠ C e, então, A ≠ C. Entretanto, não é possível afirmar isso porque
cada parte de C é parte de A e vice-versa. Além disso, A e B não têm nenhuma
parte em comum e, mesmo assim, estamos propondo que ambos sejam o
mesmo navio.
Outra teoria que pode ser aplicada ao paradoxo do Navio de Teseu é
chamada de Continuidade Espaço-Tempo. Essa teoria afirma que um objeto
pode ter uma trajetória contínua no espaço-tempo, desde que a mudança seja
gradual e que a estrutura e a forma sejam preservadas. Isso viabilizaria as
mudanças graduais que foram realizadas no navio ao longo do tempo.
No entanto, mesmo aqui nós vemos problemas! E se cada parte do navio for
empacotada em caixas individuais, despachadas para diferentes lugares do
mundo e depois abertas e remontadas? Embora numericamente esse possa ser o
mesmo navio, o objeto não existiu todo o tempo como navio através do espaço-
tempo (observe que a teoria TIM parece adequada nesse cenário).
O QUE SIGNIFICA O NAVIO DE TESEU?
Claro, esse paradoxo vai além de um problema sobre embarcações. O Navio de
Teseu trata, na verdade, sobre identidade e o que nos torna a pessoa que somos.
Partes de nós mesmos mudam com o passar dos anos, mas ainda assim
consideramos que somos a mesma pessoa.
Nossa identidade é a mesma por causa de nossa estrutura? Nesse caso, se
perder um membro ou até mesmo se cortar o cabelo, você não seria mais você.
Então, é por causa da sua mente e dos seus sentimentos? Se for assim, você não
seria mais você mesmo se perdesse a memória ou tivesse uma mudança no
amor? É por causa das partes que nos compõem? Ou da história?
O Navio de Teseu e suas implicações quanto à identidade são debatidos até
hoje.
Kleinman, Paul |Tudo que você precisa saber sobre filosofia: de Platão e Sócrates
até a ética e metafísica, o livro essencial sobre o pensamento humano tradução
Cristina Sant'Anna. – São Paulo: Editora Gente, 2014.
Nesse Vídeo a Prof.ª Lúcia Helena e Prof. Galdino Ribeiro fazem
reflexões sobre a série WandaVision da Disney+, que aborda em
seu último episódio O paradoxo do Navio de Teseu.
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